As histórias ouvidas ou presenciadas por Nadja Camila dariam um
livro. Há dois anos, ela trocou o tédio em uma boutique por um emprego
que desperta a curiosidade e a vergonha em muita gente: a loira de 27
anos é vendedora em um sex shop de Natal. A convite de um amigo, blusas,
calças e vestidos deram vez a chicotes, próteses e gel lubrificantes.
Hoje, trava contato diário com pessoas de idades variadas que buscam
apetrechos para o sexo, enquanto deixam rastros de uma prática cada vez
mais cambiante e livre de impositivos sociais. O que era sujo e proibido
virou norma – machos e fêmeas modernos pregam a inovação, a ‘pegada’, a
atuação de gala. E, para tanto, todos os recursos são válidos – até
comprar bonecas infláveis para simular a parceira insaciável na alcova.
Atrás do balcão da loja Exclusive, em Lagoa Nova, Nadja fala sobre
preconceitos que tinha antes de trabalhar com produtos eróticos. “Por
incrível que pareça, quem menos procura são os homossexuais masculinos,
geralmente mais desinibidos e abertos quanto ao sexo. Mas lésbica tem
bastante. A maioria leva alguma coisa de nossa seção de cosméticos, que
têm preços a partir de R$ 5. Mas próteses vende bem também. Tanto com
vibrador, como sem”. Grupos de amigas surgem com frequência, como uma
turnê sensual que promete a satisfação da libido em troca de meras onças
pintadas no papel moeda. “O público hoje abriu bastante. Tem gente de
70, 80 anos, de todas as classes sociais, que vem aqui atrás de
apimentar a relação”.
Do mesmo modo, tem aqueles que confundem a função de Nadja ou
entendem um sex shop como uma clínica psicológica. De ex-padres que
gostam de chicotear glúteos alheios, a jovens recém-casadas de 18 anos
que antecipam um possível esfriamento com desenvoltura de uma estrela
das Brasileirinhas, a vendedora está acostumada a ouvir experiências e
até receber cantadas. “Outro dia, um rapaz ficou duas horas e meia
falando de sua vida íntima, com detalhes, se vangloriando sobre o que
fazia na cama. Depois de muita conversa, ele veio com um papo sobre eu
formar um trio com a namorada dela. Tive que ser educada para desfazer a
confusão que ele fez”. A velha fantasia de o homem ter duas mulheres
como justificativa para a falta de noção.
Fantasias que ganham tom ficcional com uniformes de determinadas
profissões. As campeãs são a de enfermeira e colegial para as mulheres, e
bombeiros e policiais, para os homens. “Mas a cueca com a trombinha de
elefante na frente vende bem”. O fetiche de ver o outro travestido tem
um preço. Ainda mais se o casal for junto comprar os adornos. O caso da
mulher que, na presença do marido, colheu informações acerca de uma
prótese das mais robustas é citado por Nadja como um dos momentos mais
constrangedores por que passou. “Vejo de tudo aqui, mas não deixa de
impressionar ouvir a esposa dizer que aquilo era para o marido, que ele
gosta” – de R$ 30 a R$ 130, você escolhe o calibre do látex; enquanto a
boneca sai por R$ 170, e o simulacro de garanhão, por R$ 220.
“Ainda tem muita gente envergonhada de frequentar um sex shop. Alguns
entram só para olhar, nem falam comigo. Na hora de ir embora, ficam de
olho na rua, para só saírem quando o trânsito estiver pequeno. Eles
dizem que têm medo de serem vistos por conhecidos”. Dizer que está ali
para atender ao pedido de um amigo é uma das desculpas mais usadas.
Outrora restrito às lojas de roupas íntimas, estabelecimentos voltados
para o mercado do sexo viraram uma realidade para o natalense, nos
últimos anos. Se a religiosidade e o conservadorismo sufocam os mais
tímidos, valores arraigados, como o machismo, impedem a plena realização
sexual de mulheres que deixam de apimentar noitadas por deturpações dos
cônjuges.
“Tem muita mulher que vem aqui, olha, pega, mas não leva nada para
casa porque diz que o marido estranharia, acharia coisa de mulher
vulgar”, diz Nadja. A situação é oposta a vivida por Márcia do
Nascimento. Com nove anos de casamento, ela assume que a relação está no
modo automático – para muitos, momento em que os dois precisam desviar
de um iceberg que insiste em crescer no meio da cama. Publicitária de
formação, a paulistana de 43 anos é adepta de “uma prótese média, de gel
comestível sabor morango e filmes pornô. Acho que vale tudo para
mantermos o sexo em alta, como no começo da relação, quando tudo é novo e
desperta a curiosidade. Quando cheguei em casa com os cremes e a
próteses, meu marido não gostou. Disse que se sentiria meio traído, como
se não fosse ele que me desse prazer”.
Em pouco tempo, Márcia virou referência para as amigas. “Elas me
perguntam sobre novidades, sobre o que é melhor para isso e aquilo. A
maioria quer saber como ter prazer com sexo anal, como empolgar o
marido, seja com fantasias ou estimulantes para ele”. Um desses
‘estimulantes’ é um gel retardante, que promete reunir a força de mil
Viagras com uma ereção duradoura e consistente. Nadja diz que foi uma
das vezes em que um cliente reclamou de um produto. “Ele esperava que
funcionasse por 24h”. Decepcionado com a mágica almejada, o homem
sucumbiu à cobrança por um desempenho atlético e redirecionou a
frustração contra a substância inibidora de sua fraqueza (física e
mental).
Uma das modalidades de compra é o ‘delivery’. Foi a forma que Márcia
encontrou para acender a chama que minguava em casa. “Basta ligar que a
menina vem aqui com os brinquedinhos. Acho mais prático e privado. Fico
mais à vontade para ver e perguntar tudo”. Em Natal, do Alecrim à Ponta
Negra, vários sex shoppings adotaram a venda a domicílio. Fruto de
mudanças comportamentais, empreendimentos voltados para a extrema
intimidade de um ser humano caíram no gosto dos menos simpáticos às
convenções morais. Diferente do passado, em que a sexualidade feminina
era vista como estéril e indecente, o fenômeno atual parte da
desenvoltura das mulheres em procurar novidades e novos caminhos para a
satisfação sexual.
Fotos: Canindé Santos
Por: Conrado Carlos - Portal JH
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