Camila diz não votar de jeito nenhum em Bolsonaro. Áurea votou e votará de novo. Fernando votou, mas diz que não vota mais. José diz que aprova, mas nem por isso vota. Wellington não votou, mas agora diz que vota.
O avanço da popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na região Nordeste, apontado por pesquisa Datafolha realizada na semana passada, tem como pano de fundo um cenário complexo que vai muito além um simples alinhamento ao bolsonarismo ou ao lulismo.
O Datafolha mostrou que Bolsonaro está no auge de sua popularidade no país, com 37% dos brasileiros considerando seu governo ótimo ou bom, contra 32% na pesquisa anterior, em junho. Nos estados do Nordeste, a aprovação do presidente subiu de 27% para 33% no mesmo período.
No início desta semana, a Folha ouviu uma dezena de famílias de baixa renda nas cidades de Salvador, Camaçari e Conde (BA), Aracaju e Barra dos Coqueiros (SE) e se deparou com discursos conflitantes e permeados por inúmeras camadas em relação ao presidente, atualmente sem partido.
Dentre os que apoiam Bolsonaro, há os que se identificaram com suas ideias, os que votaram nele em 2018 pelo simples desejo de mudança e os que não votaram, mas passaram a aprovar o governo após o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 durante a crise da pandemia do coronavírus.
Dentre os que não o aprovam, estão os que condenam a condução de Bolsonaro no combate à Covid-19, os que classificam os filhos do presidente como corruptos e até os que não têm críticas ao governo, mas permanecem fiéis aos candidatos petistas por uma memória que vai muito além do programa Bolsa Família.
Enquanto isso, o presidente coloca o Nordeste como foco central de sua ação política. Foi nessa região na qual teve proporcionamente menos votos em todos os estados em 2018. Nos últimos dois meses, Bolsonaro visitou Ceará, Piauí, Bahia e Sergipe e ainda vai ao Rio Grande do Norte nesta semana.
Em todas as viagens, invariavelmente, ele tem sido recebido com entusiasmo por seus apoiadores e busca se ancorar em símbolos da região. Vestiu um chapéu de vaqueiro em Penaforte (CE), fez o mesmo em São Raimundo Nonato (PI), e repetiu a dose até em Aracaju (SE), cidade essencialmente urbana.
Na visita a Sergipe, onde participou de uma inauguração em Barra dos Coqueiros (14 km de Aracaju), o presidente sobrevoou uma termoelétrica e passou pela área onde fica a ocupação Jatobá, comunidade com casas improvisadas de madeira nas margens de uma rodovia estadual.
É lá que mora Wellington dos Santos, 35, que diz ter votado no PT em todas as eleições presidenciais desde 2002. Desempregado, ele já vivia de biscates desde antes da pandemia. Passou a receber o auxílio emergencial de R$ 600 desde junho deste ano e diz ter mudado a sua percepção sobre Bolsonaro.
“Vejo ele como uma pessoa que, assim como Lula, trabalha para ajudar os pobres”, afirma Wellington, que diz que aprova o governo Bolsonaro e que o presidente é uma opção de voto nas próximas eleições.
O programa de auxílio foi instituído após o agravamento da crise, com o objetivo de dar assistência a trabalhadores informais, fortemente impactados pelas políticas de isolamento social e restrições de circulação nas cidades.
Inicialmente, o governo federal propôs parcelas de R$ 200 por beneficiário. O Congresso pressionou por um aumento para R$ 500, mas o valor acabou fechado em R$ 600 após aval de Bolsonaro.
Vizinho de Wellington, o aposentado José Carlos dos Santos, 62, é outro típico lulista e diz que votou no PT nas últimas cinco eleições presicenciais. Nunca recebeu Bolsa Família, mas diz que no período petista a vida era melhor do que atualmente.
“Já votei cinco vezes para Lula e votaria dez”, afirma Santos. Mesmo fiel ao PT, ele diz considerar o governo Bolsonaro razoável. Mas ressalva que o presidente deveria trabalhar mais e falar menos.
Ao contrário de Wellington, José diz que Bolsonaro não é nenhum pai dos pobres, mas sim o “pai de um corrupto”. A referência é ao filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que é investigado sob suspeita de desvio de recursos de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio.
A 325 km dali, na saída de uma igreja católica no bairro de São Cristóvão, periferia de Salvador, o administrador de redes Fernando dos Santos, 40, tem percepção semelhante.
Diz ter votado em Bolsonaro em 2018 por suas ideias, mas afirma que se decepcionou com o presidente no combate à corrupção: “Os filhos dele são uma referência do que não se deve fazer. Mas ele passa a mão na cabeça deles."
Em um lava-jato junto à igreja, Ronaldo Sacramento Pires, 45, também diz que votou em Bolsonaro por sua agenda anticorrupção e repete a crítica aos filhos do presidente: “São uns sanguessugas”.
O auxílio emergencial, benefício cuja criação é creditada ao presidente e não ao Congresso Nacional, também é alvo de críticas.
Ronaldo, que é supervisor em uma empresa de segurança privada, diz que o benefício tem sido importante para as famílias mais pobres na pandemia, mas teve seu uso desvirtuado. E critica quem usou o benefício em gastos supérfluos, como celular novo e bebida alcoólica.
“Tem muita gente usando esse dinheiro para encher o caneco”, diz Ronaldo. Ele defende que o presidente priorize uma agenda de empregos ao invés de pisar no acelerador da assistência social, com a criação do Renda Brasil —um programa de renda mínima que teria maior alcance que o Bolsa Família.
Em Conde (181 km de Salvador), a marisqueira Camila Marcolino, 31, tem se mantido com os R$ 600 do auxílio emergencial e defende a manutenção do benefício. Mesmo assim não mudou sua visão sobre o presidente. “Ainda tenho muito pé atrás com ele. Não votaria."
A gestão da pandemia também é vista de forma diversa. Segundo a pesquisa Datafolha, 47% dos brasileiros acham que Bolsonaro não tem nenhuma culpa pelas mais de 100 mil mortes por Covid-19, 41% acham que ele é um dos culpados, mas não o principal, e 11% acham que ele é o principal culpado.
Frequentador de uma igreja evangélica na periferia de Salvador, o pedreiro Genário do Santos 52, diz que considera boa a gestão do presidente. Mas o critica no combate ao novo coronavírus. “A gente sabe que não é só uma gripezinha. Como nosso líder, ele deveria dar o exemplo e usar máscara sempre que sair.”
Já Renata Santana, 34, que vende mangabas e bananas em Barra dos Coqueiros (SE), vê a gestão da pandemia de forma positiva e endossa o presidente contra a política de isolamento social.
“Tem muita gente que critica Bolsonaro porque ele quer que o pessoal volte a trabalhar. Mas ele está certo porque sem trabalho a gente não é nada”, afirma Renata, que tem uma filha e está grávida da segunda.
Sentada em uma cadeira sob a sombra de uma árvore na frente de casa, ela conversava com outras três vizinhas, todas sem usar máscara.
As quatro têm o auxílio emergencial como principal esteio financeiro durante a crise da pandemia. Mas nem por isso veem a ampliação do auxílio como solução de longo prazo.
“Eu tenho um filho e penso no futuro dele. E qual o futuro dele? É esse mesmo que o meu? Não quero isso para meu filho e nem para o filho de ninguém”, Edcleide Ferreira Santos, 31, que vende refrigerantes na beira da estrada, mas se viu sem clientes desde o início da pandemia.
Na banca de frutas ao lado, Áurea Nascimento, 45, diz que sempre viu com bons olhos os governos petistas, votou em Lula e Dilma, mas achou que era hora de tentar algo novo. Votou, aprova e diz que votaria novamente em Bolsonaro: “Não tenho do que reclamar dele”.
Folha de S. Paulo
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